O tempo está virando. Tem feito dias ensolarados escondidos pela fumaça e o calor pesa. Mas enquanto escrevo, todas as portas da minha casa batem sozinhas em um só golpe, pelo vento que invade a janela de repente. Sempre que levo esses sustos, acho graça. Finjo que é o destino chamando.
Toda vez que desço do elevador na casa da minha avó, sou presenteada com esses mesmos sopros. Lembro quando ouvi pela primeira vez a expressão “lá onde o vento faz a curva” e pensei imediatamente nela. Não sabia ainda que era usada para indicar qualquer lugar bem longe, então só imaginava a força da natureza se curvando naquele corredor. Penso também na minha bisavó, que foi embora já há quase uma década e era tão fascinada por tudo que o meio ambiente a oferecia. Gostava de bicho, de fruta, de planta. Só tinha medo de raio. Aposto que ela sentia o mesmo que eu. O tempo batendo à porta, se convidando para entrar, planejando. De vez em quando penso nela e me lembro tão bem do riso e do olhar que até duvido da sua ausência. Minha avó era outra nove anos atrás, um punhado de traumas e delícias a menos. Lembro das mãos gastas de sonhos entrelaçadas, das perguntas sempre preocupadas da filha para uma mãe que olhava para mim e sorria. Do sorriso eu lembro tão bem. Parecia saber ver mais longe do que nós duas.
Agora quem se prepara para ares novos sou eu. Em meio a um redemoinho de pensamentos exagerados, me pergunto se vou temer ou rir dos futuros raios, se vou fugir dos vendavais. Até pouco tempo jamais me imaginaria atravessando um oceano sozinha mas de vez em quando a vida me prega peças em momentos oportunos. Penso que me conheço e pronto — imagem nova é formada em um espelho em minha frente e já tenho que aprender novamente parte de quem sou. Descobri relativamente tarde, por exemplo, que era boa em fazer amigos. Na última edição, mencionei que tinha indicado um filme para uma amiga. Essa mesma amizade recente (oi, Anna Terra!) me presenteou com um livro na hora certa, acerto sem a menor porcentagem de coincidência. Foi pura atenção. Era “O Conto da Ilha Desconhecida”, do José Saramago. A gentileza da parte dela me garantiu o que já sabia: existem sempre novos portos para atracar quaisquer barcos que cruzem as águas, só preciso estar disposta a navegar. Conto com pouco acaso e muita, muita sorte. E foram esses dois trechos do livro que me evidenciaram que tenho escutado certo os convites que me cercam.
Também é deste modo que o destino costuma comportar-se conosco, já está mesmo atrás de nós, já estendeu a mão para tocar-nos o ombro.
Se não sais de ti, não chegas a saber quem és.