não coube numa conversa - e tudo eu não posso dar. #07
ou sobre as mudanças que se carregam num buquê
“Eu não quero escrever
Mais uma canção
Às vezes é brutal”
Aqui quem fala é a Sofia. Me imagine assim, sentada com um joelho pra cima, idealmente depois de pegar sol na parte de trás do meu pescoço pela área da cozinha. Tá mais frio do que o costume e meu nariz tem a ponta gelada. Mas eu estou aquecida. Apesar de amar minha vista e a luz do fim de tarde que entra no meu quarto, te escrevo com a cortina fechada. Acho que me sinto mais segura, visto que o mundo lá fora me grita mais de mil palavras. No meu quarto existe somente o som ao fundo da minha mãe pela casa, ou o mar que bate sempre à distância. Na baixa luz só existe o agora num semi escuro, seja dia ou noite. É nessa ausência que encontro casas e desenho dias. É pelo fim que eu começo e sigo os mapas, enquanto digito com olhar atento às notas no meu caderno. É quando, atrasados, uns pedaços se encontram e formam textos. De vez em quando é difícil escrever.
Aqui quem fala é o Rapha. Me imagine assim, com os olhos baixos, vestindo calça e casaco, e sentado com os dois pés em cima da cadeira. Toda a luz é artificial e nada do que eu toco me pertence. Todo som que eu escuto vem de alguma coisa feita de plástico, e já não faço mais ideia de como está a luz do lado de fora. Já não sei se o vento bate em Santa Teresa, se quem tomou conta do céu foi o amarelo ou o rosa e nem se as minhas palavras estão cabendo em minha boca ou em meus olhos. Se desaprender ensina os princípios, foi com muita palavra feia que o escuro usou para me avisar que meu companheiro não seria ele, e que sua irmã oposta andava me procurando. Fui encontrar com ela. Olhos abertos, vestindo um pijama que a Sofia me deu e pés ainda em cima da cadeira. Entre o despertar e a primeira palavra não se passam dez minutos, e é quando isso acontece que eu finalmente falo. Falo tudo o que não sei, o que não tinha para dizer e o que nem sabia que tinha como dizer. Falo de mim, falo para você e falo com tanta gente que nunca me conheceu. De vez em quando é difícil escrever.
Aqui quem fala agora são dois. Nossas mãos avessas te trazem uma pequena nota de rodapé: a “não coube” agora vai ser quinzenal. A gente poderia culpar o tempo apertado dos dias ou, quem sabe, os empecilhos e surpresas das nossas rotinas. Mas a verdade é que nossas palavras vem pedindo fôlego para viverem melhor. Enforcados a gente não respira e elas não falam. Ainda queremos (e vamos!) inventar mil meios e formatos de falar das mesmas coisas, com compromisso sempre mas sem obrigações. É que a força vem do contraste e para as palavras atravessarem até o outro lado, já nos avisaram que elas sempre buscam pelo silêncio.
Falando em silêncios, um dos pontos marcantes dessa amizade foi com um bem estendido. Na época, trabalhávamos juntos em uma produtora e em telas atravessadas da sala, vimos no minuto em que foi ao ar o clipe de “Brutal”, da banda Terno Rei. Foi dirigido pela dupla de diretores “Vira-Lara” e deixou dois amigos fora de órbita por uns bons minutos. É essa mesma música que começa o texto. E é esse clipe que o encerra. Mas lembre-se, isso é um mísero até logo. Prometemos que vai valer a pena.